
À DERIVA
Por: Olívio Candido
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Por: Olívio Candido
CANA DE AÇÚCAR OU AGRÍCULTURA FAMILIAR?
Investir no pequeno agricultor pode ser a saída de Alagoas da dependência da monocultura da cana de açúcar.
Por Géssica Nery e Mariana Farias
A principal atividade econômica de Alagoas, desde a época do Brasil colônia, é a produção de açúcar. O investimento do governo nesse setor, tanto federal quanto estadual, é intenso até hoje. O governo interveio em todas as crises enfrentadas pelo setor sucroenergético alagoano, como é o caso da situação atual. Segundo informações do site Sindaçúcar, o senador Renan Calheiros afirmou, em abril deste ano, que vai conseguir empréstimo de 1,8 bilhões de reais para a indústria do Nordeste, e especialmente para Alagoas, por ser o maior produtor da região. Também informou que o processo já está em fase de contratação com os bancos.
Todos os investimentos que foram direcionados para as usinas até agora não foram suficiente para elas atingirem um nível de funcionamento mais linear, e consequentemente trazer o retorno desses investimentos para Alagoas, seja de nível econômico ou social. Pelo contrário, agora as usinas necessitam cada vez mais de financiamento. Em decorrência disso, as dívidas das usinas aumentaram, gerando grandes perdas para o estado.
Os programas do governo como o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) e o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), que surgiram para proporcionar o crescimento das usinas, beneficiaram apenas usineiros, investidores, e grandes fornecedores de cana, enquanto a precariedade da vida do trabalhador rural continua a mesma de décadas atrás.
"A minha vida antes, quando eu cortava cana era uma vida péssima, porque ninguém comia, não vestia, posso bem dizer, né? Comecei a trabalhar com oito anos de idade e me separei do corte de cana com 54 anos. Saía de madrugada para cortar cana, roçar mato, e a gente recebia pouco salário. O que eu comecei a ganhar era de dez tostões. Eles exigiam para gente trabalhar, na época, oito horas sem parar um segundo. Ou trabalhava pelo salário mínimo, que era mínimo, era péssimo o salário, ou se não ele botava a gente para fora da fazenda", relata José Maria Isaias, 68, hoje pequeno agricultor.
Com condições de trabalho precárias, sem remuneração adequada e com curtos períodos de safra, os trabalhadores rurais tentam a todo custo suportar mais tempo no serviço pesado, em busca de receber um pouco a mais. "Foram descobertos muitos lugares onde cortadores de cana estavam usando crack para poder trabalhar mais. Vários casos de pessoas que já morreram usando o crack para trabalhar cortando cana. Então é uma escravização mesmo. Transformação do homem numa máquina de quinta categoria que nem olham o lubrificante", revela o agrônomo Crisólogo Silva.
Sem o mínimo de estabilidade financeira, o trabalhador tende apenas a contribuir para o crescimento dos níveis de extrema pobreza do estado, que cresceu 11,9%, segundo dados do IBGE 2018. "Quando não é época de safra a gente faz uns bicos aqui outro ali, quando aparece. Quando não aparece, é levar do jeito que Deus quer. A gente não pode nem confiar em fazer uma compra para pagar parcelado. Por exemplo, se eu compro um celular para pagar em 10 parcelas, antes de pagar três, eu já sou colocado para fora”, afirma João Alves Santana, 23.
Outro fator contribuinte para a instabilidade da profissão do cortador de cana é a substituição contínua dessa mão de obra por maquinários. Do ponto de vista ecológico, essa substituição é benéfica, pois evita a queima da cana, inibindo o desgaste do solo pelo fogo. Mas no ponto de vista social, de emprego e geração de renda, causa muitas perdas. "Uma máquina trabalha hoje por 20 ou 30 homens. Então o cortador de cana hoje vai passar fome, fome mesmo. Se ele não aprender uma profissão para dirigir uma máquina daquela, ele vai morrer de fome", afirma Beneildo Pedro, 61, ex-cortador de cana.
Em uma perspectiva geral, são inúmeros os prejuízos ocasionados em quinhentos anos de monocultura. Além dos problemas sociais, há, principalmente, sérios problemas ambientais enfrentados pela fauna e flora alagoana. Como explica o agrônomo Crisólogo Silva: "a gente tem o muntum, que é uma ave de alagoas, hoje está em extinção. Também tinha muitas bicas e cachoeiras e tudo isso foi acabado, destruído. Tudo para plantar cana de açúcar e o resultado é que algumas famílias, oito ou dez famílias enriqueceram e o estado empobreceu muito mais".
Alternativas para o crescimento da economia do estado
"O que eu sei contar de palha de cana, é que sofremos muito. A gente tinha dia que levava um punhado de farinha seca com sal para comer no serviço, entendeu? E a minha mãe, para vestir uma roupa, ela comprava aqueles paninhos de chita do meio da rua para fazer uma roupa para gente A minha vida melhorou muito depois que eu entrei na agricultura, na bota velha, em Muricí", conta Odete Maria das Dores, 62.
Segundo Crisólogo Silva, do ponto de vista econômico, terá um grande intervalo até que essas famílias passem a produzir e que venham a compensar em termos de imposto para o estado. “A arrecadação do estado vai diminuir por um certo período, mas no futuro, com a organização das famílias na terra, produzindo, com investimentos, com incentivo, e com assistência técnica, isso retornará de forma bem mais forte. Isso já aconteceu em outros lugares, como é a produção de uva no rio grande do sul, que é feita por pequenas famílias e hoje eles têm um desenvolvimento sustentável muito interessante.", acrescenta.
O economista Luciano Barbosa afirma que investir na agricultura familiar irá gerar renda e fazer circular dinheiro, pois esse modo tem o papel de fazer o abastecimento alimentar, podendo pensar em diversificação produtiva, não necessariamente só agrícola, mas como um espaço multisetorial em termos econômicos. “Podem-se produzir bens industrializados; fazer turismo rural nas áreas que são aptas para isso; fazer um banco de sementes; e usar resíduos de animais para transformar em biodigestores e gerar energia. Os estados que estão percebendo isso e que estão investindo nesse pequeno agricultor, estão gerando uma renda de baixo para cima e estão se fortalecendo da mesma forma”, afirma Luciano Barbosa.
Sobre as várias possibilidades de diversificação da produção agrícola, Luciano Barbosa ainda apresenta um exemplo de aproveitamento. "No sertão existe uma espécie de planta, essa dá em qualquer lugar mesmo, é chamado algodão seda, ela gera um algodãozinho de alto valor agregado que imita pena de ganso. Então se você pegar esse e vender, você vai vender por um preço muito alto. Aí o que acontece lá no sertão? Tem um monte. O que o agricultor faz? Arranca e joga fora por que acha que é praga. No máximo, ele tritura para dar para o gado".
Em relação ao processo de assentamento da terra que está ocorrendo em Maragogi atualmente, o professor Luciano Barbosa explica as possibilidades de mercado para a agricultura familiar. Ele diz ter sentido certa falta de articulação dos agricultores para conhecer o mercado e inovar mais, e também que ficam muito atrelados a cooperativa enquanto poderiam ter uma boa diversificação produtiva.
"Hoje em dia tem muita inovação, mas os agricultores não estão captando. A partir do momento que comecei a visitar alguns locais, no agreste, também no litoral, percebi que os técnicos estão um pouco despreparados. Eles produzem banana e aquela região está com um problema de água, e uma das coisas que ele colocou foi justamente o processo de produção que ele faz: desmatar tudo, o que tende a secar nascente e gerar o maior problema possível. E aí eu perguntei: Vocês tem banana? Tem. Mas depois que colhe, trituram a banana e põe ela no solo? Não. Então vocês estão perdendo porque a banana tem água. Você coloca, a água sai da banana e você faz a irrigação, fora que você tem composto orgânico", acrescenta.
Ainda segundo Luciano Barbosa, a produção interna está concentrada na mão de alguns, na produção de cana, muito voltado para o mercado internacional e pouco para o mercado interno. Do contingente de estabelecimento que existe em Alagoas, 90% é da agricultura familiar, sendo que ela só depende 38% de terra. A agricultura familiar tem capacidade para favorecer a economia do estado, mas ainda precisa de muito investimento para que isso ocorra.
"Não é só chegar e dar um curso de capacitação, colocar um programa, falar alguma coisa, deixar o agricultor lá e ir embora. Tem que ter um acompanhamento durante um tempo para que o agricultor erga e absorva aquela nova cultura que ele está tendo. Investimentos pequenos eram necessários para poder fazer com que isso viabilizasse e que andasse mesmo. E tivesse uma consultoria, que é outra coisa que precisa", acrescenta Luciano Barbosa.
De acordo com Crisólogo Silva, um dos maiores problemas enfrentados pelo agricultor familiar é a burocratização do financiamento. “Para o agricultor receber cinco ou dez mil reais pelo Pronaf, é necessário fazer um projeto provando ser agricultor, brasileiro, e que não possui antecedentes criminais; em seguida contratar um agrônomo ou um técnico para fazer o projeto da cultura, e enviar para o banco. A resposta chega a demorar até um ano para, no fim, liberar somente um terço desse valor”.
“Precisa- se fazer muito ainda, e ver que o agricultor familiar é o que produz mais alimento no Brasil. O governo ainda não aceitou isso e a classe dominante também não. Mas é uma é uma realidade. Quem produz alimento no Brasil são os agricultores familiares. Os outros produtos são para exportar. A gente vive e sobrevive, comendo restos e produtos de terceira qualidade, quando poderia comer o melhor aqui dentro do Brasil. Nem café de primeira qualidade a gente tem aqui. Tudo é exportado. Essa é a realidade. Mesmo os ricos aqui no Brasil comem restos", acrescenta.

De acordo com informações do site Portal Brasil, a agricultura familiar, com base em dados de 2015, foi responsável pela produção de 70% dos alimentos que compõem a mesa do brasileiro. Já as plantações que recebem mais investimentos do governo como a soja, o milho e, no caso de Alagoas, o açúcar e o etanol extraídos da cana de açúcar, são mais voltados para a exportação do que para o consumo dos brasileiros.
Muitos dos ex-cortadores de cana que hoje estão sentindo uma grande melhora na qualidade de vida são aqueles que se inseriram na agricultura familiar. "Hoje eu tenho uma vida mais feliz lá na roça porque eu trabalho para mim, para minha família, e quem chegar com fome tem o que comer ali, levam para casa, levam para o vizinho. A pessoa que trabalha na roça é um pessoal de barriga cheia," afirma Pedro Santana.